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Publicações Poéticas

Contos, crônicas e poesias dos acadêmicos 

04/04/24

Um amigo perguntou, cortesmente, como eu estava. Senti uma vontade enorme de desabafar... Mas, como ele poderia pensar que eu estivesse demente, Vacilei um pouco e assumi o risco. Não me contive e me pus a falar: Meu papagaio me aporrinha se queixando de dor de dente O galo do vizinho que me acordava de madrugada, Agora canta desafinado como uma galinha d’angola Disputando sinfonia com o Sabiá da mangueira. Até a perereca que vivia coaxando quando chovia E fazia banquete com grilos, mariposas e muriçocas, Está do tamanho dum sapo boi com a ração dos cães da dona Sônia. Pior é o gato safado da Marta que, não caça mais rato ou barata. Depois que ralhei com ele, vira e mexe o doido mija no meu sapato. E, no meio da madrugada, o bandido saltita de propósito Na frente do sensor de alarme da garagem pra que ele dispare Só pra me acordar e, quando olho pela câmera, ele está lá balançando o rabo, Parece a Anita no carnaval de Olinda. Não, não tô bem. Como poderia estar se tudo parece fora do lugar? Fora isso, só o Diazepam que parei de tomar.

11/04/24

Não te levarei A terra prometida Nem serei A tua última ferida Existir é um momento Certeza de vida E sentimento. Não prometo chegar Com as mãos cheias Nem ser rota eterna Do teu navegar Não te darei luas novas E nem cheias Somente tenho O poema a te ofertar

18/04/24

Hoje louvarei um nobre, mas devo apressar-me, qual livro, também o homem seu próprio destino tem. Vejo ainda ser possível, nos dedos, calcular quantas vezes o vi. Contudo - sem destoar - ali é sempre como a primeira vez: sisudo! Aliás, para um Marquês, esse seria um bom adjetivo de sua fidalguia (é como o vejo): uma pessoa de mérito próprio, distante de seu já fosco tempo, malgrado esse também seja um bom pretexto de, à socapa, rejeitar um livro pela capa: tem vez, a pior máscara adeja o melhor sorriso, mas que, oculto, ver é privilégio para poucos. Essa é a maneira, à force, que o meio grupal impõe e, a reboque, banal inconveniente dá-se que, mais tarde, colada à face, espalhar-se o atributo é fácil, quando se tem têmpera e perfil intitulado. E foi no tumulto das deliberações estratégicas do então recém Estado que, régia, foram prestados seus atributos óbvios e, ficar no anonimato, foi incômodo para alguém, de um tempo já esquecido, em que nenhum senso mede o quão tudo era complicado, a partir das curvas da menina morena - Macapá - que lá ainda não chegara à balzaquiana. Porém, qualquer infortúnio sana a vida bucólica e aprazível de fruir um estilo que, crível, hoje é benesse para prósperos. Ali, feito irmãos, eram inúmeros! E a vida correu feito riacho a desembocar nos afluentes... Vieram os rebentos e, aqui, acho, foi o período mais feliz de mente, corpo e espírito, tanto mais quanto nada era absoluto, inclusive, amplo, para tirar a paz que sentia entre ofício, lazer e família. E nesse passo, chegou o ano de 1988. Ah!, foi bom aquele ido! Ano afoito... que nunca foi embora, de verdade. Como perene realidade, eterno, ficaria gravado, marca do mais doloroso encargo, onde tantos só enxergam louros: junto a outros eminentes e bardos, resgataria e refundaria a Academia Amapaense de Letras, que esquecida jazia. Raízes fincadas, firmemente, ali foi vital, sob o esqueleto de uma catedral por florescer, torcer por improvável pretexto em que o vento, sem esmorecer, a apatia cultural levasse. Três décadas para atravessar! Esse o tempo para maturar, até que outro fôlego se desse. Ah, mundo cruel! Antes que o fogo do ideal brilhasse, do oriente saiu o cavalo amarelo. Logo, intuo que, pela sua mente, nem em seus piores pesadelos imaginou que, avizinhada a hora, algo o embaraçaria - em má hora! - de passar a insígnia. E foi esse o gelo que mais o obstou: ah!, mal mais cruciante não há! Ergueu o melhor e, num entrave, tudo caiu quando, num relance, um iceberg fendeu sua nave (dúbio, mas real) e os pergaminhos, a que, arauto, teve que roer o osso, portando-os à flor d’água - inopino! -, boiaram com as tábuas dos destroços da nau no mais profundo das águas do inalterável... e quedou perplexo a meio da luz, quando os reflexos do sol, de encontro aos vitrais da nave, já abriam os primeiros acordes. É, foi preciso descer o vale; torcer até que o perigo cale, ainda que do pesar nunca acorde. O que me impeliu ao tributo? Silencio! Que cada um seu exame faça no terreno devoluto de seu coração; e verá: seu nome já troça dos tempos sem memória. Sim, homens falham, porém não tece via dupla a consciência histórica, cedo ou tarde, o Nobre: Remanesce

25/04/24

Ela desmoronou nosso castelo, (Que foi erguido com ardor e amor). Agora tudo no chão, Acho que não resta nem o amor, Nem ardor, Só a dor. Mas, certeza, Vai se recompor, (Desta vez só com o amor), Eu e o amor!

02/05/24

"Sonho de noiva" - Cléo Farias de Araújo - Cadeira nº28

Divinha foi estudar fora. Só vinha à Macapá, nas férias escolares e ficava pançudinha com as guloseimas que sua mãe preparava. Era açaí no almoço e jantar. Mas, de tanto viver no sudeste, acabou por se acostumar por lá. Se formou, arranjou emprego, comprou casa e tudo o mais. Depois de algum tempo, pegou o telefone e comunicou à família que estava de casamento marcado. —Uhhh, minha filha, mas tu vem morar pra cá? —Não, minha mãe. Vou morar por aqui mesmo. Mas não se preocupe que, nas férias, vou continuar indo à Macapá. Afinal, não esqueço as raízes: um bom açaí com farinha baguda, acompanhado de camarão, peixe seco ou jabá, ninguém esquece. —fez uma pequena pausa e arrematou: —Agora, deixa eu falar com o papai. A mãe, então, chama o Raimundo e lhe passa o telefone. —Alô!!!??? —Oi, papai, é a Divinha. Tô lhe convidando pro meu casamento e não aceito desculpa nenhuma pro senhor não vir conhecer o Presleyson e ficar pro nosso enlace. O senhor já está aposentado e pode vir. —Uhhh, minha filha... que bom! Quando vai ser? —É em maio, o mês das noivas. Dá bem pro senhor e a mamãe se arrumarem e virem pra cá. —Tá bom, minha filha. A gente vai, num é Maria? —um balanço de cabeça confirmou tudo. —Então, papai, posso lhe pedir um favor? —Qualquer coisa, minha filha! Sinto muito orgulho de você. —Olha, como presente de casamento, só a presença de vocês já vai ser maravilhosa. —Que que é isso, Divinha. Me sinto no dever de comparecer e ver a tua felicidade, que também é nossa. —Que bom, papai! Sim, continuando... peço que, quando o senhor vier, me traga 10 litros de açaí do grosso e 20 kilos de farinha do Pacuí. É que o Preleyson, meu noivo, quer ser apresentado à essa iguaria macapaense. Não esqueça: São 10 litros de açaí do grosso e 20 kilos de farinha. Nisso, Divinha ouve o som característico do telefone já desligado! Mesmo assim, ainda insiste: —Alô, alô! Papai, o senhor ouviu bem? Fecham-se as cortinas!!!

09/05/24

Estranha essa estrada Que todos trilham lado a lado Mas a estrada de uns É uma passarela Na qual o mundo é uma tela Enquanto que a tua Parece a face da lua Cheia de tropeços Que eu desconheço Nela fantasmas espreitam Numa noite escura sem fim Na de outros, flores enfeitam Em canteiros de jasmim Com isso ninguém consegue ver Os monstros que estás a conceber Toda hora, a cada momento Tornando diuturno teu tormento E quem sou eu pra te ajudar? Se um mundo melhor não posso te dar Podias não ser tão doce, Podias não ser tão frágil Podias fechar os olhos Para tanta coisa ruim Mas então não serias mais tu E eu não te amaria tanto

16/05/24

A boca da noite espreitava Nossos ais Profundos e ternos A lua, cúmplice, Escondeu a cara Mostrando inteiro Seu lado oculto A escuridão espraiava volúpia E balançava, frenética, Para cima, para baixo Ao sabor da canção De grilos e cururus De corujas e muriçocas Nossos corpos, bandeiras desfraldadas, Tremulavam em conluio Ao mastro erguido Ao teu e ao meu Contentamento. Dentro de nós O amor vaga-lumes.

23/05/24

"O velho da latas" - Fernando Canto - Cadeira nº4

Aquelas barbas espessas no rosto do homem, brancas, brancas, se esvoaçavam com o vento da Beira-rio. Eram barbas longas que chamavam a atenção de qualquer um, mas que logo, logo, provocavam uma sensação de desprezo pela figura. As pessoas nas mesas ao meu redor comentavam sobre ela e após constatarem que era um mendigo se desinteressavam. Que era um velho o dono das barbas parecia óbvio. Jamais vira aquela pessoa na praça e creio que ninguém a conhecia também. Era um ser estranho. Não fossem as barbas longas diria que era um ancião indígena há muito tempo expulso da vida selvagem e degradado na cidade. Talvez tivesse vindo lá do sul do Pará ou do Maranhão, onde se vê tanto índio mendigando, bêbados, pelas rodoviárias. Acompanhei seus gestos. De vez em quando ele apanhava uma lata de alumínio do chão, ajeitava-a e pisava nela com força, até achatá-la. Depois a punha num saco que carregava às costas e ia e vinha embalando seu cansaço. Calculei que ele se aproximara dos quiosques no finzinho da tarde quando os frequentadores dos bares surgiam para suas confabulações habituais. Certa hora ele se aproximou de uma mesa onde estava um casal bebendo cervejas em lata. Muitas delas já haviam sido consumidas e, amontoadas, tomavam a forma de pirâmide. Ele chegou devagar e pediu as latas vazias com os olhos. O rapaz o encarou e jogou uma lata no chão. O velho abaixou-se para pegá-la, mas o rapaz o empurrou sobre umas cadeiras de plástico, rindo de um jeito antipático e covarde. A moça que acompanhava o valentão repreendeu-lhe nervosamente, pagou a conta e foi embora na frente. Tentei ajudar o velho a se levantar, mas ele se desvencilhou de mim, atravessou a pista e sumiu. A lua minguante surgiu como um imenso olho de cachorro dentro de uma nuvem negra e a maré subia, subia, arrebentando o muro de arrimo, o último anteparo de uma enchente ameaçadora. O vento intenso parecia orquestrar o bailado das águas, vigoroso e circular, provocando frio. Eu não duvidei que naquele momento e naquele pedacinho da cidade a natureza estava conspirando contra mim. Havia muitas luzes em toda parte, e eu estava ali ensimesmado, viajando em desilusões e lembranças amargas, esperando um tempo novo para mim. Sentia-me como uma roupa lavada e posta para secar no varal em dias de inesperados chuviscos. De repente tomei um susto ao erguer os olhos. O velho surgiu na minha frente me encarando como se eu lhe devesse alguma coisa. Tinha o olhar severo e desafiador. Intrigado, pedi que sentasse e resolvi lhe encarar do mesmo jeito. Seu semblante foi mudando devagar até que sorriu. Então pude ver que seus dentes eram de uma brancura inquietante, mas ele tentava mesmo era falar com os olhos, numa comunicação inusitada que surpreendentemente eu compreendia. E foi “falando, falando em silêncio”. Pelos seus olhos dizia dos fenômenos das marés e dos ventos como um mestre em Geografia; falou do céu e das constelações como um velho astrônomo egípcio; dos homens como um santo e do coração como um deus que abre todas as portas para o amor. Enquanto “falava”, percebi que manuseava uma lata de alumínio com movimentos suaves, assim como quem modela uma peça de argila. E após tantas viagens imaginadas, que quase fizeram esquecer minha tristeza, o estranho homem se despediu e foi caminhando com sua sabedoria em direção à fortaleza de Macapá. Ficou em mim uma momentânea sensação de felicidade e a boca seca de vento e vinho. Mas logo voltaria aquele estado de amargura, de ter o coração fechado e um gosto de desamor e de abandono. Meus olhos apenas contemplavam o infinito. Foi então que ouvi o espocar de fogos de artifício e caí na realidade. Sobre a mesa estava uma chave retorcida feita de lata. Olhei ao redor, as mesas vazias. Um casal de garçons me acenava sorridente. Pensei no velho das latas, apertei a chave com força e uma sensação de paz abriu em meu coração para nunca mais se fechar para o amor. Olhei novamente em volta. O relógio do trapiche marcava meia-noite. Era natal e as luzes piscavam como meus olhos cheios de marés lançantes.

30/05/24

"A tacacazeira de olhos ternos e largo sorriso" - Alcinéa Cavalcante - Cadeira nº25

Dona Mangabeira era uma negra de olhar límpido, sorriso largo e dentes tão brancos como os guardanapos de algodão que ela mesma fazia para cobrir as panelas. Foi uma das primeiras tacacazeiras da cidade. Era do bairro da Favela. Sua banca (naquele tempo não tinha os carrinhos de hoje) era montada na esquina da rua Leopoldo Machado com avenida Almirante Barroso. De longe se sentia o cheiro do tucupi. Esse cheiro dava água na boca atraindo tanta gente para sua banca. O camarão era vermelhinho e o jambu treme-treme. Aos domingos, a movimentação era bem maior. Era parada obrigatória de quem passava por ali para ir ao estádio Glicério Marques assistir aos clássicos da época. A todos – autoridade ou peão – Mangabeira atendia com alegria, contava histórias, fazia o tacacá do jeitinho que o freguês pedia. – Mais goma ou tucupi? Quantas colheres de pimenta? Quer mais jambu? E o freguês ia dizendo como queria. De muitos ela sabia o gosto e já nem perguntava. Contava que meu pai, o poeta e jornalista Alcy Araújo, era o único que tomava tacacá sem goma. Mangabeira tinha um carinho especial pelas crianças. Para elas servia o tacacá em cuia menor e nada de pimenta. Às vezes um moleque mais ousado pedia que ela colocasse um pinguinho. E ela, cheia de doçura, respondia: “Meu filho, criança não come pimenta”. E o moleque não insistia. O convencimento, tenho certeza, não era pelas palavras, mas pela doçura com que ela falava. Além de tacacazeira, Mangabeira era excelente lavadeira. Daquelas que botava a roupa “pra quarar” e engomava usando ferro a carvão. Era também benzedeira, tirava quebranto de criança, fazia banho de cheiro pra curar gripe, catapora e sarampo e chás e garrafadas pra todos os tipos de males. Mangabeira era uma imagem forte na paisagem do meu bairro e é uma das belas recordações da minha infância.

12/07/24

"Ilhado" - Tiago Quingosta - Cadeira nº6

Calas os japiins e os jurutis, espalhas as andorinhas, depenas os papagaios, sangras as samaúmas, secas os tajás, apodreces as mangas e jambos, matas açaizeiros. Mudas o curso d´água, trocas os hemisférios, esfrias os dias, expulsas o sol mais cedo. Furas as caixas, rasgas as saias, tornas sórdidas as açucenas, afugentas os botos, tiras o brilho das piabas, afundas batelões. E continuo aqui, deitado sobre a palha, subjugado fazendo amor, enquanto o incêndio destrói toda a taba.

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"Título" - Acadêmico - Cadeira nº...

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